Saturday, September 24, 2005

Fragmentos de mim mesmo


Tudo começa por ser um só todo... Não há rupturas, não há divisões, não há fragmentos... Tudo é perfeito, ou pelo menos assim o aparenta...

Um dia The Division Bell começa a ouvir-se... O seu bater ecoa por todo o lado... Não consigo fugir dele... Ele persegue-me... Fragmenta-me a alma, o coração... Cria um fosso em minha frente que não tenho coragem de ousar passar... Então conformo-me em viver deste lado do fosso, tentando esquecer que do outro lado há fragmentos que me pertencem... Junto os fragmentos que deste lado encontro e vou vivendo a vida dessa forma... Limitado...
Passado muitos anos encontrei um mago que me diz que é possível atravessar para o outro lado... Que podemos construir uma ponte... Eu não conseguia acreditar... Passara tanto tempo vendo aquele fosso tão largo e profundo... Ele até parecera crescer a cada dia que passava... Era para mim impossivel acreditar... Mas o mago fora muito persistente, que me convenceu que juntos iríamos construir uma ponte... Eu continuava sem acreditar mas acabei por aceitar a sua proposta...
Depois de muito trabalho e de muitas palavras fortes do mago para me convencer a continuar, a ponte estava finalmente pronta... Podia agora atravessar para o outro lado do fosso... Precisava apenas de dar algumas passadas... Mas os dias foram passando, e eu sem passar a ponte... O "impossivel" para mim estava construído, mas eu continuava sem acreditar ser possivel passar para o outro lado... Um dia dei dois passos na ponte, mas tive medo e recuei novamente... Estive imenso tempo de novo sem ousar atravessar, olhando para a ponte e imaginando o que haveria do outro lado... Sentindo-me ainda mais triste agora, porque tinha a ponte e não conseguia atravessá-la... Não conseguia ousar vencer o fosso...
Será que atravessarei o fosso? Será que conseguirei encontrar os fragmentos? Será que conseguirei pô-los no sítio certo?

Sunday, September 04, 2005

O Pássaro Acorrentado


Foste aventureiro e sonhador
Ousaste chegar ao tesouro
Acreditaste que ele existia

Mas quando pensaste que já estavas perto
Foste apanhado no fogo cruzado
Trespassado por balas

As feridas exteriormente foram sarando
Tornando-se em cicatrizes
Que por vezes penso que não serão mais do que canais de alimentação das feridas profundas da alma

A trovoada deixou de ter chuva, tornou-se seca como os teus olhos
O Sol deixou de te aquecer o coração
A noite deixou de ter o brilho das estrelas
A água deixou de te refrescar a alma

O que deve ele fazer?
Tornar-se amargo e não confiar nas pessoas. Odiar aqueles que encontraram tesouros escondidos, porque ele não conseguiu encontrar o seu. E procurar manter sempre o pouco que tem, porque se sente pequeno demais para abraçar o mundo...

Ele não consegue fazer isso...

Mas a sombra também teima em não o largar... Teima em lhe ofuscar tudo, em persegui-lo... Ele sente o coração gelado... Ele não sabe quanto tempo mais aguentará sem lhe ceder... Ele não sabe até onde irão as suas forças...

Ele sente-se um aventureiro acorrentado... Uma ave cujas asas foram cortadas... Uma criança proibida de brincar...

Será que ele ousou chegar ao tesouro cedo demais?!... Ou será que esse tesouro simplesmente não existe?!...

Como Nasrudin criou a Verdade


- As leis fazem com que as pessoas fiquem melhores - disse Nasrudin ao Rei.
- Elas precisam, antes, praticar certas coisas de maneira a entrar em sintonia com a verdade interior, que assemelha apenas levemente à verdade aparente.
O Rei, no entanto, decidiu que ele poderia, sim, fazer com que as pessoas observassem a verdade, que poderia observar a autencidade - e assim o faria. O acesso a sua cidade dava-se através de uma ponte. Sobre ela, o Rei ordenou que fosse construída uma forca.
Quando os portões foram abertos, na alvorada do dia seguinte, o Chefe da Guarda estava a postos em frente de um pelotão para testar todos os que por ali passassem.
Um edital fora imediatamente publicado : "Todos serão interrogados. Aquele que falar a verdade terá seu ingresso na cidade permitido. Caso mentir, será enforcado".
Nasrudin, na ponte entre alguns populares, deu um passo à frente e começou a cruzar a ponte.
- Onde o senhor pensa que vai? - perguntou o Chefe da Guarda.
- Estou a caminho da forca - respondeu Nasrudin, calmamente.
- Não acredito no que está dizendo !
- Muito bem, se eu estiver mentindo, pode me enforcar.
- Mas se o enforcamos por mentir, faremos com que aquilo que disse seja verdade !
- Isso mesmo - respondeu Nasrudin, sentindo vitorioso.
- Agora vocês sabem o que é verdade : é apenas a sua verdade.
Khawajah Nasr Al-Din
(Extraído do livro: Os 100 Melhores Contos de Humor)

Thursday, September 01, 2005

O Segredo da Felicidade


"Certo mercador enviou o filho para aprender o Segredo da Felicidade com o mais sábio de todos os homens. O rapaz andou durante quarenta dias pelo deserto, até chegar a um belo castelo no alto de uma montanha. Lá vivia o Sábio que o rapaz procurava.
Ao invés de encontrar um homem santo, porém, o nosso herói entrou numa sala e viu uma actividade imensa; mercadores entravam e saíam, pessoas conversavam pelos cantos, uma pequena orquestra tocava melodias suaves, e havia uma farta mesa com os mais deliciosos pratos daquela região do mundo. O Sábio conversava com todos, e o rapaz teve que esperar duas horas até chegar a sua vez de ser atendido.
O Sábio escutou atentamente o motivo da visita do rapaz, mas disse-lhe que naquele momento não tinha tempo para lhe revelar o Segredo da Felicidade. Sugeriu que o rapaz desse um passeio pelo seu palácio, e voltasse daí a duas horas.
- Entretanto, quero pedir-te um favor - completou o Sábio, entregando ao rapaz uma colher de chá, onde deitou duas gotas de óleo. - Enquanto estiveres a caminhar, segura esta colhar na mão sem deixares que o óleo seja derramado.
O rapaz começou a subir e a descer as escadarias do palácio, mantendo sempre os olhos fixos na colher. Ao fim de duas horas, voltou à presença do Sábio.
- Então - perguntou o Sábio - viste as tapeçarias da Pérsia que estão na sala de jantar? Viste o jardim que o Mestre dos Jardineiros levou dez anos a criar? Reparaste nos belos pergaminhos da minha biblioteca?
O rapaz, envergonhado, confessou que não tinha visto nada. A sua única preocupação fora a de não derramar as gotas de óleo que o Sábio lhe tinha confiado.
Pois então volta e conhece as maravilhas do meu mundo - disse o Sábio. - Não podes confiar num homem se não conheceres a sua casa.
Já mais tranquilo, o rapaz pegou na colher e voltou a passear pelo palácio, desta vez reparando em todas as obras de arte que pendiam do tecto e das paredes. Viu os jardins, as montanhas ao redor, a delicadeza das flores, o requinte com que cada obra de arte estava colocada no seu lugar. De volta à presença do Sábio relatou pormenorizadamente tudo o que tinha visto.
- Mas onde estão as duas gotas de óleo que te confiei? - perguntou o Sábio.
Olhando para a colher, o rapaz percebeu que as tinha derramado.
- Pois este é o único conselho que tenho para te dar - disse o mais Sábio dos Sábios. - O Segredo da Felicidade está em olhar todas as maravilhas do mundo, e nunca esquecer as duas gotas de óleo na colher."

in O Alquimista, Paulo Coelho